domingo, 2 de outubro de 2011

O Relojoeiro


Pessoas, esse texto não é meu. É de um colega meu da faculdade, o Vinícius. Haja vista que eu gostei muito desse texto que ele me mostrou, faço minhas as palavras dele. Há qualquer coisa nesse texto que me fez pensar em mim mesmo. Essas coisas que a gente pensa quando está voltando pra casa cabisbaixo, avaliando no que é, no que era, ou no que ainda pode a vir ser. Mais uma viagem, eu sei. Esse texto é uma viagem. Obrigado Vinícius


Redoma de mundo. Nem tão pouco, nem tão mundo. Ao alcance de dois cliques e, logo assim, seus ponteiros mínimos e singulares corriam numa dança com apenas um expectador. E ele presumia pouco de si... Se os ponteiros pudessem presumir em uníssono com o relojoeiro, então a presunção dos três, hora, minuto e relojoeiro, seria a mesma.
Tal presunção era mistério... Focava-se no que via. Sua profissão se pautava no esmero e na atenção extrema, afinal, lidava com os minúsculos componentes de um relógio de pulso. A velha mão calejada, de tantas quantas idas e vindas, peças e microparafusos, deitava um pequeno lenço para forrar o relógio.
Regozijava-se à sua sinfonia particular... Tin, din, dom, taque, tin, din, dom, taque. Para ele, Beethovens ou Chopins particulares. Mas era só mais um dia na vida do relojoeiro... E se perguntava se, para aquele homem que vive do tempo, o tempo por si só se permitiria ser mensurado por ele, seu antigo amigo, ou se seria impetuoso e friamente cortante e indiferente como o é com todas as coisas que se põem vivas à luz do sol ou nas trevas de sua escuridão.
O pai, cujo relógio já havia parado de correr há muito, dizia ao filho que os homens não foram feitos para compreender o tempo, pois a natureza do tempo é como a turva natureza dos homens, fruto de sua própria inexorabilidade. Os homens foram feitos para dançarem ao som dos tiques e taques, em sua valsa descompassada de horas e minutos, e que por eras seria assim, até que o homem venceria o tempo e seria eterno como o é: não mais homem, mas fagulha de tudo.
Aquele que o é, por essência, essência de todas as coisas.
Perguntava-se no que aquilo afetaria sua vida, e simplesmente não entendia... O conflito era iminente. Os olhos agora não desgrudavam da marcha dos ponteiros, e percebia neles a batida de sua música; e percebia também que nessa batida havia um rito profundo de lamento e dor... Como todas as coisas que jamais o serão.
Perdeu-se em pensamentos... O que seria melhor, viver no efêmero ou não-existir como o eterno? Sua dúvida era insana e inrazoável de se responder. Permaneceu na sua ignorância intuitiva de silêncio.
Na sua infinda solidão, questionava se medir o tempo seria a coisa mais inteligente a se fazer... Os olhos se marejavam de lágrimas, e logo quedaram sobre as mãos... Tão velhas e sofridas, como sua alma torpe e descompassada, cheia de vazios. As horas pareciam-lhe sem significado... Pois para ele, mal apercebido, o significado de suas horas acabava sendo as próprias horas...
Era como se fosse fim do fim ou fim do começo, e nessa relação chacoalhante, não entendia porque mais se reter ao tempo, pois se descobriu frágil demais... Pois o tempo, agora mais do que nunca, se revelava o critério destruidor de todas as suas estações.
Procurava uma solução, sua saída particular, mas aquela porta sinuosa não havia... E agora, no auge da dor, não se compreendia epifânico, mas desesperado, como se todos os minutos já lhe passados se personificassem nos tiques e taques das dezenas de relógios que o circundavam em seu escritório... Na sua perdição particular, então, parecia asfixiado, pois pela primeira vez entendeu que nenhum relógio pode ser de fato regulado, mas aceito como o é: soberano incontestável de si próprio.
As lágrimas arrazoavam sua triste sina de impotência e falta de propósito... Era o condenado. O relojoeiro. Para sempre reduto de seu fim. Para sempre arauto de um iminente começo. E, até o último tique-taque, assim o relojoeiro quedaria...

...como um medíocre sonhador, que nunca soubera sequer sonhar.

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Vinicius estuda Comunicação Social na UFCe com o pessoal do P7.

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