domingo, 18 de setembro de 2011

Manhê, faz o meu prato, por favor!

Eu estou muito sentimental esses dias. Não gosto disso. Mas parece inevitável. Botei meu materialismo dialético de lado, vesti a camisa do filho distante e liguei para meus pais. Senti vontade de escrever isso. Um conselho de amigo: são só uns rabiscos sem importância nenhuma, pois, creio, é impossível sentir a dor do coração alheio. Que dirá saudade. Nem ia escrever isso. Fazia tempo que não escrevia assim, sem pensar muito.


Engraçado... quando morava com meus pais, vivia brigando com o meu velho. As brigas eram feias. As mágoas doem até hoje; em ambas as partes. Eram bem feias. Hoje faz muito tempo que saí de casa. Apesar de tudo, estou com saudade.
Dia desses, meu pai fez aniversário. Fiz as contas.
Meu pai nasceu em 1969. Tem então 42 anos.
Eu nasci em 1989. Tenho 21.

Percebi que meu pai tinha 21 anos quando foi pai. A minha idade. Curioso, quando pequeno, eu olhava aquele homem imenso, corpulento, careca, cheio de pêlos no peito, que impunha uma seriedade enorme para comigo, era o símbolo do adulto. E não tinha mais que eu tenho agora, vinte e poucos anos. E não me vejo em nada parecido com um adulto, mesmo tendo quase a mesma idade que o Mariano das minhas lembranças. A calvície já se faz perceber há algum tempo, mas os pêlos do peito não são tão espessos como os de meu pai. Talvez para lembrar que não sou grande ainda.

Não consigo ter toda aquela seriedade, tampouco impor o respeito que aquela figura tinha. E pensar que na minha idade meu pai talvez tivesse as mesmas dúvidas que eu tenho agora. O que fazer da vida, como cuidar de outra pessoa se não cuido nem de mim mesmo, se é mesmo essa mulher com quem vou passar a dividir o sono, o que vou ensinar para o meu filho? Eu mesmo não sei muito bem o que aprendi com meu pai.

Não quero pensar que o que estou sentindo agora é apenas algum exemplo de causa e efeito psicanalítico vindo de uma figura paterna tão presente na infância. Como no caso de Édipo, que tentando fugir de seu destino foi diretamente ao encontro dele. Não quero ser meu pai. Quero ser eu mesmo. Porém, há tanto de Mariano em Filipe que me pergunto até que ponto eu sou só eu. Não sei dizer.

Neste final de semana, não quero a vida independente que estou a construir. Vou viajar para a casa de meus pais. Quero ver meu irmão. Ver o quanto ele cresceu mais do que eu. Quero contar pra minha mãe como estão meus dias na faculdade. Quero lhe falar dos meus planos de viajar pelas cidades quando comprar minha moto. Quero ver a cara da saudade no rosto de minha mãe.

Vou voltar para Fortaleza quando perceber que meu irmão deixou de lado o livro que estou levando para ele. Vou voltar quando minha mãe ligar perguntando onde estou, porque saí e ela não dorme enquanto eu não chegar. Ou ainda quando ela recomendar que faça a faculdade direitinho que eu já desisti de uma e ela quer me ver formado.

Amor de mãe é bom, preocupação de mãe já é demais.

Quanto ao meu pai, nunca conversei muito com ele. Todas as conversas terminam geralmente em discussão. Quero abraçá-lo e procurar o que há de Filipe em seu rosto. Quero sair com ele de moto para algum interior, para a gente comentar como é seco o sertão, mas que depois de algumas chuvinhas fica lindamente verde, ou chegar em algum barzinho de algum povoado perdido, pedir uma cachacinha tirando o gosto com algumas daquelas comidas de interior. Quero ver se alguma pessoa ainda me chama de Marianinho, pois meu avô se chamava Mariano, meu pai é Mariano Filho e ninguém sabe meu nome. Quero que ele me conte de alguma história do vovô, que em muitos momentos o meu vô foi meu segundo pai. Viajou muito, o vô. Deixou de viajar só quando casou, isso perto dos cinqüenta anos já. A primeira vez que vi meu pai chorar foi quando meu avô morreu. Do que meu avô brincaria comigo hoje? Gostava demais dele.

Vou voltar assim que começarem a primeiras ironias, ou quando papai reclamar dizendo que eu era pra ser diferente do que sou hoje. Quero só coisas boas. Preciso disso. Preciso que meu irmão fique me perguntando sobre as coisas que ele tem dúvida, preciso que minha mãe faça meu prato no almoço, que meu pai diga que quer que eu pilote a moto porque ele está com preguiça de guiar.

A vida é tão dura às vezes que eu não me dou o direito de endurecer ainda mais.

De uma hora pra outra decidi escrever o texto e viajar ao interior depois que me fitei gravemente no espelho do banheiro. A barba a crescer, algumas pequenas cicatrizes já; certa olheira no rosto. Estaria eu, com 21 anos, passado já dos 40?

E penso, com destacada melancolia, quando eu tiver quarenta, quarenta e poucos anos, como vou ser sentimental¹.

Tudo papo furado, eu sei. Certas pessoas expressam tão mal o que sentem que melhor seria se ficassem caladas. Esse é o meu caso.

Outras pessoas, porém, expressam os próprios pensamentos tão bem, que sua escrita passa a ecoar nas bocas daqueles que não sabem falar poesia.



O Velho do Espelho

Mário Quintana

Por acaso, surpreendo-me no espelho: Quem é esse
que me olha e é tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto... é cada vez menos estranho...
Meu deus, meu deus... parece!
Meu velho pai!
Como pude ficarmos assim?
Nosso olhar - duro – interroga:
“O que fizeste de mim?”
Eu, pai?! Tu é que me invadiste,
lentamente, ruga a ruga... que importa? Eu sou ainda
aquele mesmo menino teimoso de sempre
e teus planos enfim lá se foram por terra.
Mas sei que um dia vi sorrir, nesses cansados olhos, um orgulho triste... 

_______________
¹Luiz Fernando Veríssimo


 Esse texto foi escrito ao som de Lobão e Legião Urbana.

4 comentários:

  1. É estranho sentir falta de um lugar que antes queríamos deixar...
    Moro longe de casa a um ano. Saí aos 17, feliz por deixar pra traz toda a obsolescência de uma cidade litorânea. Sentia-me limitada, improdutiva, e até mesmo infeliz.
    Mudar foi a melhor decisão que tive.
    Vez ou outra sou tomada por uma nostalgia que me consome. Li seu texto num desses dias, o que contribuiu para que algumas lágrimas caíssem. Me vi em muitas das suas palavras.

    Aliás, ótimo conteúdo nesse e em todos os posts.

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  2. Família, na verdade, é uma mescla de sentimentos bons e ruins, né. Momentos bons que marcam, momentos não tão bons que deveriam ser esquecidos. Mas será que vale a pena ficar só com os bons, mesmo? Estes são ótimos. Tanto de serem vividos quanto de serem lembrados. No entanto, os ruins não estão lá por acaso. Ao menos eu tento pensar assim.

    "Aprender com os erros" é expressão constante no acervo frasal de muitas famílias. Acho que é o que a mãe e o pai mais falam pro filhote. Haha. Chega a ser engraçado, às vezes. Mas enfim.

    Não sei se chega a ser viagem demais, mas eu tento ver sempre se há um lado bom nas coisas. É estranho. Beira o ridículo. Chega a ser careta, talvez. Mas faz com que a gente tente sempre melhorar. Ao menos me faz querer, sempre, melhorar. Se não dá pra adequar os outros aquilo que chamamos verdade, que tentemos, ao menos, ver o outro lado da história. É mal de jornalista. Não tão felizmente, assim, talvez, é um mal de filho. =)

    Desculpa a primeira pessoa do plural, em alguns pontos. Era pra ser singular, eu juro.

    E ah, ótimo escrito, cara. Mesmo.

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  3. Luís Fernando é foda e ótimo texto, sentimento puro.

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  4. Eu nem passei por isso de sair de casa ainda, e às vezes sinto vontade de ter essa independência. Já fico pensando como será, em todas as vantagens... Mas por outro lado penso que é tão bom aqui, e que apesar de todas os desacordos... não sei quem eu seria ou o que eu faria da vida sem eles. É assim mesmo, são uma parte da gente, os temos demais em nós.
    Pelomenos dá pra voltar e matar a saudade. :D

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