sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Céu pra nós.



O roteiro é uma narrativa da vida de Hermila, uma mulher que volta à sua cidade natal, Iguatu, e ali, a sua luta pela saída. O termo “Céu”, conforme Aïnouz, faz referência ao termo do dicionário Aurélio: lugar onde se possa ser feliz. O Céu que Hermila busca é a calmaria, o pertencer, fora do seu constante paradoxo e estranhamento.

O termo “Céu” pode permear entre o significado cristão de objetivo final, de fim feliz de todas as vidas. O sagrado, a fuga, o pertencer de Hermila, através de Suely que é o nome que se auto-intitula na venda da “noite no paraíso”, a rifa de uma noite com ela que a será a passagem para fora daquela realidade.


Hermila se destaca no enquadramento de negar uma estereotipagem na sociedade a qual está inserida. “Quero ser puta não, não quero ser porra nenhuma!” é a frase que mais expressa a falta de necessidade de conceituar o que pretende do ‘ser’. Hermila existe, e a sua própria existência a sufoca, permeando-a para um viver fugitivo, no seu não-pertencimento.

Seguiu seu coração, mudou-se para São Paulo com um amor, e de lá volta, com a esperança de formar um lar. Quando tal esperança lhe é arrancada, Hermila desloca-se dela mesma. Seu caráter nômade e de natureza errante é, então, revelado.

A estética das cenas expressa certa restrição do movimento. Apesar das tomadas abertas, com o céu explicitado, Hermila está presa, em sua busca da saída mais próxima daquela realidade. Os sons naturais e a trilha sonora permeados pela música popular local, cheia de significados para Hermila, permitem um realismo tátil dos acontecimentos. A moça encontra-se deslocada, que a principio, pode parecer destoante, mas nota-se que este é o objetivo da personagem. Hermila destoa de tudo ao seu redor, destoa até de si mesma, o que é necessário para o entendimento da sua falta de pertencimento. A esperança que a trás de volta a onde nasceu, de construir uma vida com Mateus, seu marido, nome que seu filho carrega, é destruída com a não-volta do mesmo. Então, há a decisão do destino. Ir para o lugar mais longe dali, não importa o destino e sim a saída rápida e necessária. Na cena em que Hermila pergunta em um guichê na rodoviária da cidade: “Qual a passagem que a senhora tem pra mais longe? [...] O lugar mais longe daqui?”, denota que para ela o que o importa não é um lugar específico, planos, objetivos, há somente a imediata preocupação de abandonar aquela situação.

Essa pulsão de peregrinação de Hermila é a busca de algo além do que lhe foi dado, em mover-se para outra relação com a sua realidade e com o mundo, a não aceitação da permanência na realidade que lhe foi concedida. A procura pela fugacidade, pela mudança, de que o novo sempre será melhor do que está no presente. Hermila é uma figura de errância, de não se admitir a não lutar por uma vida diferente.

Iguatu, segundo o próprio Karim, foi a escolha por ser uma cidade de passagem. Nota-se isso no posto, onde caminhoneiros sempre vem e vão. Durante o filme, alguns elementos saem do lugar, e Hermila continua presa no ambiente. Passa o trem, que evidencia o desconforto da personagem que caminha ao lado, os caminhões, as motos, e ela permanece oprimida, cercada por uma estática vida, e pelo desespero de não se encontrar em movimento.


Na cena final, apesar do sorriso no rosto de Hermila, não há solução dos problemas, o final, sem fim de Hermila, é a fuga. A esperança do sorriso é o que ainda a mantém em pé. Então, há a certeza que Hermila desafina da sua realidade, assim como muitos de nós, e assim ela representa um faz de conta. Se não há Céu para Suely, não haverá céu para nós. 

Aqui o trailler:


Aqui o final que acho lindissimo:



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Mas não é o Thiago que fala sobre filmes? E a Taís não fala é sobre fotos, não?
É que, nessas duas semanas, tá tudo trocado!

2 comentários:

  1. Se o filme for tão bonito quanto a sua escrita, eu não sei o que eu tô esperando ainda para assistir.

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  2. Muito bom esse filme. Foi o primeiro que eu assisti que trata o nordestino do interior de uma forma mais realista, não usando aquele velho clichê: um ser caricato, que é religioso fanático, só escuta forró pé-de-serra e se veste como os personagens de o auto da compadecida.

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